CRÍTICA | ULTIMATE PANTERA NEGRA (2024)

Robert Nilo
Robert Nilo
7 Min Read

Usando o evento Ultimate Invasion de 2023 como trampolim, a Marvel Comics reiniciou seu Universo Ultimate depois de tê-lo eliminado em Guerras Secretas. Afinal, é padrão de décadas na indústria mainstream de quadrinhos reutilizar seus conceitos e seus personagens infinitas vezes, pelo que nem dá para reclamar disso. E, considerando a alta qualidade de Ultimate Homem-Aranha #1, a efetiva primeira edição desse novo universo, batizado de Terra-6160 (ou seja, não é a mesma do Universo Ultimate original, aquele iniciado no ano 2000 e finalizado em 2015), qualquer esboço de reclamação seria realmente prematuro. Era necessário no mínimo dos mínimos esperar o lançamento do planejado Ultimate Pantera Negra, o segundo título da empreitada, para ver se o nível seria mantido.

E aqui está a estreia do T’Challa desse novo universo. E, já respondendo minha própria indagação, não, o nível não foi mantido, o que não é lá uma grande surpresa se pensarmos bem.

Mas calma, pois o problema não está exclusivamente com a nova HQ. Afinal, temos que considerar que a principal razão para o primeiro número do Ultimate Homem-Aranha ter funcionado como funcionou, sendo precedido de um hype cada vez mais raro de se ver em publicações da Marvel e da DC, foi porque a proposta de Jonathan Hickman era entregar aos leitores aquilo que eles queriam muito ler desde o famigerado Um Dia a Mais, de 2007, ou seja, um Amigão da Vizinhança mais adulto, ainda casado com Mary Jane e com filhos. Fora isso, claro, Hickman, como de costume, fez uma primeira edição em que consegue introduzir esse “novo” Peter Parker de maneira magistral, realmente trazendo elementos diferentes. O Pantera Negra não tinha essas vantagens, ou seja, não havia nem um clamor popular por uma repaginada relevante e muito menos a vantagem inata de um roteirista do naipe de Hickman. Bryan Hill simplesmente não tem a mesma capacidade criativa e, mesmo que o que ele tenha escrito não seja terrível, essa primeira edição deixa muito a desejar.

Para começo de conversa, a premissa básica desse novo Universo Ultimate, ou seja, o fato de o Criador – o Reed Richards vilão do Universo Ultimate original – ter aparecido por lá e alterado a história dessa Terra para evitar que os super-heróis que conhecemos brotassem, é subvertida pelo mero fato de T’Challa já ser o Pantera Negra aqui. Claro que a lógica por trás dessa “exceção” é que Wakanda é uma nação africana secreta, que ainda não se revelou ao mundo, com T’Challa reinando com muito cuidado ao lado de sua esposa Okoye e de sua irmã Shuri. Perceberam algo? Se não perceberam, deixe-me contar outra coisa que acontece na HQ: T’Chaka, pai de T’Challa, ainda está vivo, mas não é mais rei e sim uma espécie de conselheiro sênior e é sua morte ao final da edição que faz com que T’Challa decida entrar em guerra contra o mundo exterior. Agora vocês perceberam, não? Afinal, essa é a linha narrativa básica da introdução do Pantera Negra e de Wakanda no Universo Cinematográfico Marvel, ou seja, os filmes interligados da Marvel Studios influenciaram a HQ muito claramente, caminho inverso do Universo Ultimate original que, se pensarmos bem, foi a inspiração e a base para o UCM (e não falo só do Nick Fury ser Samuel L. Jackson).

Isso não é o fim do mundo, mas é, de um lado, preguiça em criar algo novo e diferente e, também, uma irritante tentativa da Marvel Comics em homogeneizar tudo de forma a tornar suas HQs mais “amigáveis” a quem só conhece Marvel pelos filmes. Tudo bem que o mundo exterior à Wakanda vem sendo atacado por Ra e Khonshu, entidades em sua forma humana que coletivamente chamam-se Cavaleiro da Lua (ainda que o Cavaleiro, como tal, ainda não tenha aparecido e nem sei se vai) e que parecem trabalhar em linha com o Criador, mas isso é tão pouco desenvolvido nessa primeira edição que fica até difícil tentar entender exatamente o que está acontecendo para além de massacres facilitados pela hesitação de T’Challa em ajudar, levando a ninguém menos do que Killmonger – em um uniforme bacana de proto-Pantera Negra – ser a única força contra o que está acontecendo (novamente, igualzinho ao UCM). Pelo menos há uma seita mágica-religiosa chamada Vodu-Khan em Wakanda que T’Challa desgosta profundamente que talvez tenha chance de oferecer um pouco de conflito interno.

A arte de Stefano Caselli é bonita e vistosa, mas talvez muito polida demais para o meu gosto, sem nenhuma tentativa de ousar na diagramação de páginas, ainda que, aqui e ali, ele arrisque umas splash pages vistosas. Diria, porém, que nem é muito culpa dele, pois Hill não escreve um roteiro que peça uma arte daquelas de fazer o queixo cair, preferindo chocar com rompantes de violência do que efetivamente trabalhar uma narrativa que chame a atenção pelo seu conjunto. Ao contrário até, a narrativa de Hill pede sequências essencialmente “paradas”, explicativas e norteadoras desse novo recorte wakandense.

Em outras palavras, Ultimate Pantera Negra #1 não traz nada de realmente novo para o personagem, pelo menos nada efetivamente visível nesse começo acanhado que faz de tudo para criar uma ambientação familiar a quem está acostumado com o UCM. Faltou ousadia e faltou cuidado. Não é, claro, o fim do mundo, pois é muito difícil julgar um arco narrativo com base apenas em sua primeira parte. Quem sabe Bryan Hill não tem algo na manga que coloque seu Pantera Negra nos trilhos ao longo da próximas edições? Mas isso fica, claro, para uma crítica futura!

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